domingo, 17 de junho de 2012

Bloody Rhodes - Conto 9 - "A Médica e o Monstro"


     A tempestade continua.  A chuva torrencial insiste em cair, quase como se quisesse lavar as ruas da pequena Colima. De fato, as ruas estavam imundas, repletas de lixo, lama e sangue. A polícia segue abismada tentando entender como e por que o padre Frederico foi cruelmente empalado pela cruz no altar no teto da Catedral Basílica. Alguns quilômetros adiante, no condomínio Barronuevo, o jovem Tito Banderas permanece em choque, sentado no canto da parede, observando os corpos mortos de seus pais. Perto dalí, o sangue de Eduardo Perez escorre pelo asfalto, enquanto o vigia Chavo Sanchez tenta desesperadamente ligar para a polícia para ir atrás do assassino de seu amigo, mas isso de nada adiantaria... Ramon Cortez, pelo menos o que sobrou dele, responsável pelos assassinatos em Barronuevo estava agora muito distante de lá, no banco de trás de um carro em Michoacán...  A direita de seu cadáver, a jovem Lilian Mulligan dormia um sono profundo, enquanto o sangue ainda escorria por suas presas.  No banco dianteiro, Jason Rhodes estaciona o carro calmamente, para fazer sua última “visita” antes do nascer do sol. Ele observa uma placa próxima a calçada. Necrotério Saint Germaine. “É aqui”, pensa o vampiro enquanto desce do veículo. Rhodes anda até a parte traseira do carro e abre a porta ao lado do cadáver de Ramon. Ele leva as mãos ao que sobrou do tronco do rapaz e o perfura.O vampiro quebra as costelas do morto, puxando-as para fora, rasgando a carne, para abrir caminho para o coração, e então o puxa de uma vez.Ele fecha o carro e anda pelas ruas molhadas em direção à entrada do prédio, enquanto seu corpo vai aos poucos se tornando transparente. Em segundos, ele some, como um fantasma.
     Dentro do necrotério, pouca atividade. Apenas uma médica permanece de plantão. Cuidadosamente, ela faz a perícia do, com sorte, ultimo corpo da noite. Vinte e oito anos, cerca de um metro e sessenta e três, morena, olhos castanhos, aparentemente saudável, mas com olheiras muito escuras, como se não tivesse descansado nas ultimas 72 horas, sem antecedentes criminais. Causa da morte: com certeza será seu péssimo gosto para amigos, ou seus hábitos “religiosos” não muito comuns. Ela escuta um barulho vindo da mesa ao lado, e se vira assustada, procurando sua origem. Encima da mesa, apenas um saco preto lacrado. Ela respira fundo e volta ao trabalho. Alguns instantes depois, a médica escuta o barulho novamente vindo da mesma direção, mas dessa vez, ela o ignora. Minutos depois ela escuta novamente um som vindo do saco, mas dessa vez, algo diferente, similar a uma risada abafada. Ela engole seco. A legista pega seu bisturi e anda lentamente até o saco. Silêncio total. Ela então começa a abrir o zíper vagarosamente, tomada pela tensão e pela curiosidade. Uma voz rasga o silêncio.
     - Doutora, to com um problema... Meu olho caiu, você pode colocar de volta? – diz Jason Rhodes, deitado dentro do saco preto, com seu olho decepado em suas mãos.
     - Porra Tom, não podia entrar pela porta como qualquer pessoa?! – reclama a mulher, gritando. Sua voz apresentava uma mistura de alívio e raiva.
     - Doutora Maya Pride... Quando foi que você perdeu seu senso de humor? – ri Jason, se levantando.
     - No mesmo lugar onde você perdeu sua humanidade Tom.
     - Tem certeza? Isso é meio longe daqui... – debocha o vampiro.
     - Vá pro inferno.
     - Bom te ver também Maya.
     Os dois se entreolham por alguns segundos. Ela ri.
     - O que veio fazer aqui Tom?
     - Vim te trazer um presente. Ah, e o nome agora é Jason – Rhodes põe a mão no casaco e joga o coração de Cortez na mesa. – Fresquinho.
     A Dra. Pride olha para o coração com satisfação. Jason sempre trazia material de boa qualidade... Com certeza serviria para o Ritual de Renascimento.
     - Obrigada Tom... Mas com certeza você não veio aqui apenas para me dar isso não é?
     - Esperta como sempre. Preciso que ache uma pessoa pra mim. E o nome agora é Jason, já falei.
     - Sempre com segundas intenções... Qual o nome da vítima dessa vez “Jason”?
     - William Ghastey. – responde Rhodes, sentado na mesa, brincando com o próprio olho – Ah, e preciso que você cole isso aqui na minha cara, esse visual de pirata não me cai bem.
     - Como perdeu ele dessa vez bebê? – Pergunta a médica enquanto anda até seu armário na outra sala.
     - Saí na porrada com o Darrel... Lembra dele? – Jason se levanta e segue a doutora. – E só pra avisar, sem essa do bebê, sou pelo menos duzentos anos mais velho que você.
     - Não estou te chamando de pequeno, só estou sendo carinhosa... Bebê. – debocha Maya enquanto leva uma maleta para a sala de autópsia.  – E sim, lembro dele.  Infelizmente, não de uma maneira boa. Foi ele que me caçou quando eu saí.
     - Tá mais morto que o cara na outra mesa agora.
     - Imaginei... Agora fica parado bebê.
     Maya abre a maleta, pega um saco de pó roxo e mistura com um pouco de um líquido vermelho e viscoso por alguns minutos, enquanto parece sussurrar algumas palavras incompreensíveis. Ela passa o líquido no rosto de Jason, desenhando alguma coisa, na ferida onde deveria estar seu olho. Ela recoloca o olho no lugar e joga um pouco do pó roxo na área.
     - Isso vai arder um pouco. – Fala a médica com a mão na bochecha de Rhodes.
     - Não me importo. Já passei por coisa pi...
     - Leha Turh Yee! – grita a Dra. Pride, para ativar a runa. Chamas Azuis queimam no rosto do vampiro, que se joga no chão berrando de dor. Ele se debate no piso por cerca de vinte segundos, até que o fogo se extingue.
     - Essa porra num arde um pouco não! Arde pra caralho! Porra... – resmunga Rhodes, enquanto passa a mão no olho recém restaurado, para checar se está tudo ok.
     - Pensei que já tivesse passado por coisa pior...
     - Engraçadinha... E o Ghastey, tem como achar?
     - Ter eu tenho, mas não agora. Não estou com os componentes necessários pra fazer um Ritual do Caçador aqui... Vou precisar de pelo menos dois dias para fazer os preparativos... Pra quê quer achar esse cara?
     - Ele é o novo “eleito” do Padrinho... Quero me livrar dele antes que seja transformado, pra o Padrinho entender com quem tá mexendo...
     - Tá com medinho de não ser mais o favorito? – Brinca Maya.
     - Você tá muito engraçadinha Maya...
     - Onde você perdeu seu senso de humor Tom?
     - Touché.
     - Mas então... Quer dar cabo dessa pobre alma só pra mandar um recado pro Chefão?
     - Também por isso. O outro motivo é que, de acordo com minhas fontes, Ghastey é influente demais nos governo do Canadá e de diversos países da América Central. Tá começando a crescer demais nos Estados Unidos, que é a área do Eli. Isso somado a influência do Padrinho na Europa e na Ásia... Vão dominar o mundo quase todo na minha frente, e daí pra tomar todo de uma vez de volta vai ser quase impossível.
     - Ainda com essa idéia maluca na cabeça?
     - Sempre com essa idéia maluca na cabeça.
     - Você falou no Eli... Como ele está? Não vá me dizer que ele aceitou fazer parte do seu plano insano?
     - Não só faz parte como também é um dos meus principais responsáveis por ele estar dando certo.
     - Você quase morreu da ultima vez que tentou Thomas.
     - Não planejei o suficiente da outra vez... E o nome agora é Jason. – respondeu Rhodes com o pensamento distante, como se estivesse perdido em alguma lembrança ruim. Ele leva os olhos ao relógio e suspira. – Acho que esta conversa vai ter que parar por aqui... O sol deve nascer em breve, e eu acho que não quero olhar pra ele hoje... Acompanha-me até a porta?
     - Claro... Por que não? – Sorri a doutora Pride. Ela se levanta e os dois caminham em direção ao carro de Jason no lado de fora.
     - Ligue pra esse número quanto terminar o Ritual. –Fala Jason entregando um cartão.
     - Pode deixar. Três dias no máximo.- A médica põe o cartão no bolso do jaleco.
Ao passarem pela porta, o vampiro abre um largo sorriso, como se tivesse lembrado uma velha piada e pergunta:
     - O Rudolf ainda te liga? – diz Jason, segurando uma gargalhada.
     - Thomas, isso já faz mais de doze anos!
     - Responda a pergunta.
     - Pelo menos uma vez por mês. – responde Maya, quase rindo.
     - HUHAUHAHUHAUUHAUUHAUHA... Que otário. Ele arrumou os dentes pelo menos?
     - Nunca.
     Jason e Maya chegam ao carro. Ele abre a porta e entra pronto para dar a partida, quando é interrompido pela médica, que observava atenta o banco de trás, com os olhos fixo em Lily.
     - Quem é essa, Tom?
     - É meu novo monstrinho...
     - O que aconteceu com a outra? O houve com a Carmen?
     - Não era boa o suficiente, acabou pirando e morreu.
     - Você sabe que eu não aprovo isso.
     - Você sabe que isso não faz diferença pra mim...
     O silêncio preenche a conversa por alguns segundos, até que Maya volta a falar.
     - Tenta não morrer.
     - Não vou.
     - Não vai tentar ou não vai morrer?
     - Não sei.
     - Adeus Thomas... Se cuide.
     - Até mais Maya... E o nome agora é Jason!  
     O vampiro liga o carro e dá a partida, acelerando pela estrada, até sair de vista.  Ultima tarefa no México cumprida. Próximo alvo traçado. Precisava agora encontrar um refúgio para si e para Lily até a próxima noite, e pensar numa maneira de despertá-la completamente...  Jason circula pela cidade até encontrar uma velha casa abandonada. Enquanto desce do carro para checar a “disponibilidade” da casa, o celular de Rhodes toca.
     - Tom, preciso de você no meu clube em San Diego o mais rápido possível. Não demore. Temos problemas – diz Elijah Jackson do outro lado da linha, com preocupação na voz.
     - Eli, eu acabei de passar alguns perrengues aqui no México, não dá pra esperar alguns dias não?
     - É sobre o Alexander.
     A linha fica muda por seis segundos. Rhodes respira fundo.  
     - Estarei aí no fim da noite. Preciso de um avião.
     - Terá um no aeroporto de Morelia esperando por você em três horas. Portão J16. Seu nome lá será Felipe Morelo.
     - A caminho. – Diz Jason desligando o telefone, e retornando ao carro.   Ele liga o GPS do celular e acelera pelas ruas em direção ao aeroporto, apressado.
     - Maldição... – pragueja Rhodes, enquanto os primeiros raios de sol começam a surgir no céu...