- Chavo? Algum problema? – Pergunta o vigia, atendendo a chamada.
- Pedi uns Burritos... Tá afim? – Responde Chavo, o outro vigia,
com a boca cheia.
- Chego aí em um segundo... Tenta não comer tudo gorducho. – ri
Eduardo correndo em direção a guarita. Afinal, o emprego era chato, mas tinha
suas bonificações: um colega gordo que sempre compra comida pra dois.
Com os pensamentos no rango, o vigia nem percebe uma sombra se
mexer a poucos metros dele, por cima de um dos muros do condomínio. Assim que
ele se distancia, a sombra continua se esgueirando, com um papel em mãos e
observando as portas, como se estivesse procurando uma casa em especial. Ela se
arrasta furtivamente por alguns minutos até encontrar.
- Casa da família Banderas. – sussurra Ramon Cortez, respirando
fundo. Era hora de cumprir sua missão. Hora de fazer a Justiça Divina recair
sobre mais um pecador.
Ele segue rodeando a casa procurando uma entrada alternativa...
Uma porta dos fundos, um muro baixo de quintal ou uma... Janela. Uma janela
aberta. Ele não entendia como alguém dormiria de janela aberta nesse frio de
congelar os ossos, mas aparentemente foi o que aconteceu. Com sorte, já seria o
quarto de Hector e ele não teria que se arriscar mais ainda circulando pela
casa. Começa a chover, ele se apressa. Cortez entra pela janela sem
dificuldade, já tinha o hábito desde os 12 anos. Passado difícil o desse jovem...
Filho de mãe solteira, o
mais novo de um grupo de cinco... Trabalhavam em uma fábrica, todos eles, mal
ganhando para o pão. Não se passou muito tempo sem que ele percebesse que não
ia ganhar nada na vida ficando do lado certo da lei. Não nesse mundo cão, não
nesse país dos infernos. Então ele começou com um pequeno furto aqui e ali...
Depois alguns assaltos, venda de drogas... Ramon foi ficando cada vez mais
seguro de si e mais afundado no crime. Ele tinha tudo que queria, na hora que
queria. Claro que não ia demorar muito até que sua ganância o levasse a cargos mais
altos no crime local. Chegou até a virar dono da boca de fumo de seu bairro.
Foi aí que sua vida começou a descer ladeira abaixo. Ele claro, como todo
vendedor de drogas, vendia barato no começo e depois aumentava o preço para
sugar tudo que pudesse da clientela... e não se importava nem um pouco em ser
“persuasivo” com quem não pagava em dia. Um dia ele foi “persuasivo” demais e
quase matou um garoto viciado de pancada... E infelizmente pra Ramon, o menino
era filho de um policial americano, que não deixou isso barato e forçou os
tiras locais a darem um jeito em Cortez. Acabou sendo preso. Sua mãe morreu
poucos dias depois da condenação, de desgosto. Na cadeia, ele não era
exatamente bem tratado... Nem pelos guardas e nem pelos outros presos. Lá ele
descobriu muitas outras novas formas de dor. Seus irmãos nunca iam visitá-lo.
Tinha vergonha. Ramon estava sozinho, impotente, infeliz... Até que encontrou
Jesus. Na religião ele encontrou forças pra continuar, para se regenerar. Teve
direito a condicional por bom comportamento. Aos 25 anos, recomeçou sua vida
como um homem de Cristo, se unindo a igreja local, tentando realizar um ato bom
de cada vez, em sua busca por redenção. Foi quando ele conheceu o padre
Frederico da Catedral de Colima. O padre o guiou e o aconselhou, mostrando os
caminhos para que Ramon se tornasse puro perante ao Salvador. Depois de alguns
meses, Cortez foi convidado para fazer parte da Mão Direita de Deus, um grupo
liderado pelo padre Ferdinando que cuida de “arrancar os tumores do mundo para
o Senhor”. O padre o instruiu dizendo que apenas impedindo que outros cometam
pecados como os de seu passado, ele lavaria as manchas negras de sua alma.
Desde então, Ramon gasta suas noites caçando “tumores” e demônios, mandando os
impuros e indignos para o inferno. E esta é uma dessas noites. E talvez a
última. De acordo com o padre, as outras dezessete pessoas que sentiram a ira
divina pelas mãos do jovem foram quase o suficiente para sua purificação. Mais
uma e ele teria seu lugar guardado no céu. Mais uma. Mais. Uma. Essas são as
palavras que ecoam na cabeça de Ramon desde que entrou na casa. A janela que
usou dava no quarto de um dos filhos de Banderas. Ele tenta seguir e abrir a
porta com muito cuidado para não acordar o menino, que dormia inquieto em sua
cama. Ramon segue pelo corredor, procurando sua vítima. Ele vê mais quatro
portas, três fechadas e uma entreaberta. Ele se aproxima dessa ultima para examinar...
Ramon observa da pequena abertura entre a porta e a parede um
casal, deitados na cama, em sono profundo. O homem era Hector. Logo, Cortez
saca sua pistola e instala o silenciador... Teria que ser rápido, e
infelizmente, teria de matar a mulher também... Ou talvez nem tão
infelizmente... Afinal, se ela se relaciona com um monstro adúltero e assassino
como Banderas, ela é outra maculada. Ele abre a porta com cuidado, anda alguns
metros para frente e então aponta sua arma para a cabeça do homem. Antes de
puxar o gatilho, ele escuta uma voz atrás de si:
- Papai, eu tive um pesade... – Diz o jovem filho de Hector, antes
de ser interrompido pelo susto em ver um desconhecido no quarto de seus pais,
apontando uma arma para eles. Instintivamente, Cortez aponta sua arma para trás,
no intuito de identificar e eliminar a nova figura. O menino grita. Os pais
acordam, se levantando rapidamente, assustados. Ramon aponta sua arma novamente
para Hector e dispara, acertando-o no ombro. Banderas cai no chão agonizando. A
mulher começa a chorar e gritar, junto ao seu filho que corre da porta para a cama
para abraçar a mãe. O assassino mantém o olhar focado no homem baleado no chão,
e então dispara mais duas vezes, contra a barriga. Banderas se debate no chão em agonia.
- Pare, por favor! Nós temos dinheiro, podemos te dar muito, por
favor, não mate meu marido! – grita a esposa de Hector, completamente
desesperada.
- Dinheiro não vai apagar os pecados do seu marido. E depois dele
é sua vez. – Responde o assassino, tremendo, num misto de fúria, medo e
excitação.
Ramon olha uma ultima vez para sua vítima, e mira na cabeça.
Quando vai atirar, o menino pula dos braços da mãe e corre em sua direção.
- NÃO MACHUQUE O MEU PAPAI! – Grita o menino enquanto acerta uma
tremenda cabeçada no peito de Cortez, que perde o fôlego e o equilíbrio, tendo
que se apoiar na parede para não cair.
- Moleque idiota! – esbraveja Ramon tentando se recuperar. O
menino se prende ao seu braço, tentando fazê-lo soltar a arma.
A mulher aproveita a distração e tenta abrir a gaveta do criado
mudo. A arma de Hector... A única chance. Ela encontra o Revolver .38, mas não
tem tempo de usá-lo. Cortez consegue se livrar do menino. Assim que ela tira a
arma da gaveta, é alvejada com três tiros nas costas.
- VIIIIIIILLLLLMAAAAAAAAAAAAAAAA! – Grita Hector. Antes que
pudesse tentar levantar para ver se a esposa ainda respirava, ele recebe uma
bala na cabeça. Agora sobrava apenas o menino, que estava em choque. Cortez
ainda cogita atirar contra a criança, mas não tem a coragem. É só uma criança.
Ele dá uma coronhada no garoto, que cai no chão desmaiado. Missão cumprida.
Agora só tinha que dar um jeito de sair de lá. Ele sai rapidamente pela mesma
janela que entrou e tenta correr para encontrar uma saída, quando é avistado
pelos dois vigias que se aproximavam da casa.
- Droga... – pragueja o assassino... Primeira vez que tinha sido
visto desde que tinha começado os “trabalhos”. Ele corre incansavelmente,
enquanto é perseguido pelos vigias. Estava ferrado, os guardas com certeza
conheciam o lugar melhor que ele, e iam encurralá-lo logo. Felizmente, um dos
guardas, o mais gordo, logo perde o fôlego e desacelera, sobrando apenas o
outro.
- Chavo, liga pra a polícia, eu cuido desse cara! – diz Eddie
enquanto mantém a perseguição. Correr na chuva é bem difícil. A pista
escorregadia exige muito cuidado. Os dois homens permanecem correndo por mais
duas quadras, e chegam a trocar alguns tiros e escorregar algumas vezes, até
que Ramon é encurralado em um beco. “Hora de brilhar”, pensa o jovem vigia.
- Acabou palhaço! Mãos na cabeça agora! – Diz o vigia, apontando
sua arma para Ramon certa satisfação. Nunca tinha dito ou feito algo do gênero
antes.
- Nada disso... Eu não vou ser preso... Não outra vez, não agora
que eu estou redimido! – Diz o assassino disparando mais algumas vezes contra
Eddie, que corre em busca de cobertura. Um dos tiros atravessa a perna esquerda do vigia. Eddie senta atrás de um muro baixo e observa o ferimento... Sangrava
horrores e tava bem feio... Não ia dar pra correr. Mas ele não podia deixar o
bandido fugir, tinha que acabar com isso agora. Ele aperta sua arma e sair da
cobertura, tentando acertar Cortez, que também dispara contra ele. Os tiros de
Eduardo acertam uma das pernas de Ramon... Os tiros de Ramon acertam o peito de
Eddie, que cai no chão, largando sua arma. Cortez tenta correr, mas sua perna
não deixa. Ele se arrasta pelo chão para fora do beco, procurando outro
caminho. Quando passa pelo vigia, ele tem sua perna agarrada.
- Você não vai embora! – grita Eddie, cuspindo sangue.
- Você não vai impedir um campeão de Cristo de ter sua liberdade e
redenção! – revida Ramon tentando se soltar.
- Eu sou judeu, palhaço! Campeão de Cristo é o caralho! Agora fica
parado aí antes que e... – E essas são as ultimas palavras de Eduardo Perez, que
é acertado com um tiro certeiro que entra pelo seu olho direito, varando sua
cabeça.
Livre finalmente, pensa Ramon, até escutar o barulho das sirenes.
Mais policiais, ele não estava em condições de correr... Sem condições de
fugir... Ele pensa na prisão, no inferno que ela tinha sido... no inferno que
ela voltaria a ser... Com certeza não aguentaria dessa vez. Precisava de um
milagre, e de um bem rápido. E ele
ocorre. Um carro freia bem a frente de Cortez. Um aliado? Um agente da Mão
talvez? A porta traseira se abre, mas ninguém sai. Ele entende o recado e se
arrasta pra dentro fundo... A dor é
excruciante... Tinha perdido sangue demais... Ele começa a perder a
consciência... Mas nada mais importava a essa altura. Estava livre... Estava
redimido.
Ramon acorda algumas horas depois, ainda dentro do carro em
movimento. Ao seu lado, dorme uma jovem moça, de aparentes 17 anos. O assassino
tenta enxergar o motorista, mas a falta de iluminação encobre seu rosto.
- Quem é você? – Pergunta Cortez ao motorista, coçando os olhos.
- De nada por ter salvado a sua bunda, não foi nada. – Responde o
motorista, com sarcasmo.
- Desculpe por isso... Obrigado irmão. – Diz Ramon, claramente
desconfortável – Foi o padre Ferdinando que te mandou pra me ajudar?
- Não, não... Eu vim por conta própria. – diz o motorista– Pensei
que pudesse te impedir de fazer alguma besteira...
- O alvo foi mandado pro inferno... Eu estou redimido... O padre
vai ficar muito feliz em saber disso.
- Nem vai. Duvido ele ficar feliz com qualquer coisa hoje. Na
verdade duvido ele ficar feliz com qualquer coisa amanhã também. Na boa, ele
nunca mais vai ficar feliz com nada...
- Por que diz isso irmão? Aconteceu alguma coisa com ele? –
Pergunta Cortez, confuso.
- Eu aconteci com ele. E agora ele está morto. – Ri o motorista. –
E agora a Lily vai acontecer com você... Nada pessoal Ramon... Só que a menina
tá com fome e você é um verme que não fará falta.
- Quem diabos é você? – Diz o jovem assassino sem sorte,
procurando sua arma. Não tem tempo de acha-la. Uma mão fria e pequena segura em
seu ombro e o aperta... Ele sente um calafrio anormal na espinha.
Ramon olha aterrorizado para a menina ao seu lado. Ela abre os
olhos e a boca, exibindo os dois grandes orbes negros e dois pares de caninos
gigantescos. Ele ainda tenta escapar pela porta do carro, mas estava travada. A garota rapidamente leva as presas ao pescoço
de Cortez, destroçando-o... Ele grita por socorro, urra de dor. Jason Rhodes aumenta
o som do carro para abafar o barulho. Lilian Mulligan continua estraçalhar o
assassino, mordendo, puxando, mastigando... Como um leão faminto devorando sua
presa. Ele tentar lutar, golpeando-a com socos, chutes, mas a jovem vampira não
recua. Ramon Cortez sente sua carne sendo rasgada pedaço a pedaço... Primeiro a
de seu pescoço, depois de seu rosto, depois de seu peito... Até que não sente
mais nada. Em poucos minutos nada mais sobra de Ramon Cortez além de um monte
de carne amorfo e vermelho.
Jason abaixa o som e para o carro. Apenas o som da chuva e o
rosnado bestial de Lily podem ser ouvidos. Ele olha apara trás e observa a
garota ensanguentada e furiosa no banco traseiro. Seu pequeno monstrinho de
estimação. Infelizmente, o verme não proveu sangue o suficiente para
Despertá-la... Mas isso não chegou a ser uma surpresa. Rhodes leva a mão ao
rosto de Lily e limpa um pouco do sangue em sua face... A expressão assassina
da garota vai embora, dando lugar a outra completamente diferente, inocente,
calma... Pura. Ela aproxima seu rosto do dele. Jason sorri e então sussurra em
seus ouvidos.
- Volte a dormir pequena Lily... – Essas palavras ecoam na cabeça
da menina como se chegassem ao fundo se sua alma. Instantaneamente, ela cai em
um sono profundo.
TL;DR
ResponderExcluirKlaiton? Lucas? Qual dos dois infelizes digitou isso?
ExcluirCara, muito bom mesmo =D Esse capítulo sintetizou todas as linhas narrativas até agora, mesmo que apenas em referências, e foi ótimo pra amarrar mais a trama. Conseguiu ir até o final sem perder o ritmo, com boas surpresas. Fico curioso pra saber como o policial judeu vai lidar com a morte do irmão agora, hehe.
ResponderExcluirPô, Tonho... Vou comentar enquanto leio, se não esqueço alguma coisa importante.
ResponderExcluirEsse primeiro parágrafo tá genial! O cenário vai se desvelando aos nossos olhos aos poucos, como tem de ser. É como um véu se abrindo. Deixando de lado essa parte de descrições e tal, eu simplesmente amei o jeito como o pensamento dele se revela aos pouquinhos. Hahaha! Aquela história de "filhos pra criar, blablabla", a verdade é que ele não teve competência mesmo! Ri alto. XD
Também é bacana que dá pra ver você no texto, em termos tipo "rango", não sei explicar como, mas confere uma personalidade própria na narrativa toda. O desenvolvimento da ação é muito estimulante, do tipo que você começa e fica difícil interromper a leitura, isso é bom.
Na parte em que o Cortez foge, uma frase indica que está chovendo, uma boa maneira de dar sentido à descrição do céu nublado logo no início (no conto, nada pode ser desperdiçado, cada detalhe é essencial. Essa regra é do querido Poe ♥). Também dá uma noção de "passar do tempo", o lugar lá fora continuou existindo durante a ação anterior. Foi um toque interessante! :D
"Uma mão fria e pequena segura em seu ombro e o aperta..." Que delicadeza... Eu pude ver a cena, ela estava desacordada, agora é uma arma discreta e fatal. Parece que a vi se levantar devagar, o cabelo meio caindo no rosto, a aparência frágil, tudo isso resumido na frase acima. ^^
Enfim, eu era uma das que estavam torcendo pela volta da Lily e não me decepcionou. Vamos ver o que o destino reserva pra esses dois. O final em suspense está "just right", muito legal mesmo! Desculpe o texto gigantesco...
Na minha opinião, sua escrita tá amadurecendo rápido mesmo, tais fazendo o que, hein? :P
Parabéns pelo ótimo trabalho e até a próxima! ^^